Meu nome é Lucas, e esta história não é fácil de contar. Mas acredito que compartilhar isso pode, de alguma forma, tocar outras pessoas que passaram por algo parecido.
Antes de começar, quero pedir que você se inscreva no canal Histórias que Tocam a Alma. Aqui, cada relato é feito com o coração, e você pode se ver em muitos deles.
Eu tinha apenas sete anos quando meu pai saiu para comprar pão e nunca mais voltou. Sim, a clássica frase que virou piada na internet, mas que, pra mim, é uma ferida que demorou anos para cicatrizar. A diferença é que, no meu caso, ele nem disse que sairia. Ele simplesmente desapareceu. Sem bilhete. Sem uma briga. Sem explicações.
Minha mãe ficou arrasada. Ela era jovem, tinha apenas 27 anos, e foi deixada com duas crianças pequenas — eu e minha irmã mais nova, Clara, que na época mal sabia falar. Vi minha mãe desmoronar aos poucos, mas nunca em frente a nós. Ela chorava no banho, eu escutava. Chorava à noite, quando achava que estávamos dormindo. E mesmo assim, ela se levantava todos os dias às 6 da manhã para trabalhar como atendente em uma farmácia, fazendo bicos aos finais de semana como manicure.
Cresci com aquela ausência, mas também com uma presença muito forte: a da minha mãe. Ela tentou preencher o espaço do meu pai, mas havia coisas que só um pai poderia ensinar, e foi aí que comecei a sentir os buracos — pequenos vazios que não podiam ser cobertos com abraços de mãe.
Na escola, quando tinha uma festa de Dia dos Pais, eu mentia. Dizia que ele estava viajando a trabalho, ou que era médico e estava sempre em plantões. Criava histórias que eu mesmo começava a acreditar. Às vezes, me perguntava se ele tinha morrido, se tinha sido sequestrado, ou se estava doente em algum hospital distante, sem memória. Mas, com o tempo, fui entendendo que ele simplesmente… escolheu não estar.
A adolescência chegou, e junto dela vieram a revolta, a vergonha e, principalmente, a dúvida: o que eu tinha feito para ele ir embora? Por que ele não quis ficar? Será que ele olhava nossas fotos antigas e sentia culpa? Ou ele tinha começado outra família, com outros filhos, fingindo que nunca teve a mim e a Clara?
Minha mãe nunca falava dele. E toda vez que eu perguntava, ela apenas desviava o olhar e dizia: “Quando você for mais velho, talvez entenda.” Essa frase me acompanhou por anos, como uma sentença. Mas a verdade é que eu nunca quis esperar para entender. Eu queria respostas.
Foi então que, aos 19 anos, decidi procurá-lo.
O pouco que sabia era que ele se chamava José Henrique da Silva, tinha trabalhado como auxiliar de eletricista e, segundo minha mãe, era um homem “de muitos amigos e poucos compromissos”. Comecei procurando por redes sociais, mas com um nome tão comum e nenhuma foto atual, era impossível saber quem era ele. Pensei em ir aos antigos colegas de trabalho dele, mas minha mãe se recusava a me dar mais detalhes.
Mesmo assim, algo dentro de mim dizia que ele ainda estava vivo. Que ele não estava tão longe. Que, de alguma forma, ainda poderia olhar nos meus olhos e explicar por que me deixou.
E foi justamente quando parei de procurar, quando desisti por um tempo, que a vida decidiu me mostrar a primeira pista. Uma coincidência tão absurda que me fez duvidar da realidade. Uma pista que me levaria a um caminho cheio de revelações — e também de dores que eu nunca imaginei ter que reviver.
Aos 19 anos, depois de tantas tentativas frustradas de localizar meu pai, eu estava quase convencido de que ele jamais voltaria para minha vida. Eu havia aceitado o vazio. Até que uma tarde, uma coincidência estranha aconteceu.
Eu estava em uma loja de discos usados, procurando por algo para aliviar a mente. O dono da loja, um senhor de cabelos brancos e óculos grossos, começou a conversar comigo sobre música, quando ele me fez uma pergunta que, naquele momento, parecia completamente sem sentido.
“Você não é o filho do José Henrique, não?”
O choque foi tão grande que eu quase caí da cadeira. Eu não sabia como reagir. Como aquele homem poderia saber o nome do meu pai? Eu só sabia que ele, de alguma forma, estava conectado à minha história. Era como se tudo estivesse conspirando para finalmente me levar até ele.
“Quem é você?”, perguntei, a voz tremendo de nervoso.
O senhor sorriu, como se esperasse aquela pergunta, e respondeu: “Eu fui colega do seu pai, muitos anos atrás. Ele costumava vir aqui comprar discos e conversar. Dizia que tinha um filho, mas estava distante… Ele saiu de um jeito estranho, né? Sem dar explicações?”
Eu estava paralisado. Ele sabia exatamente o que eu queria saber. E, pela primeira vez, parecia que a busca estava chegando ao fim.
Fui até a casa do senhor. Ele me contou, com uma calmaria impressionante, tudo o que sabia sobre meu pai. O nome dele era José Henrique da Silva, mas o senhor disse que ele não gostava de falar sobre o passado. Ele sabia que meu pai tinha se afastado por questões pessoais, mas não sabia ao certo os motivos. O senhor me mostrou alguns discos antigos, que ele lembrava que meu pai amava, e que sempre comprava aqui quando estava “sentindo falta de algo”.
Naquele momento, meu coração estava apertado. O senhor me contou que meu pai tinha uma vida difícil, que ele passava por momentos complicados, mas que a decisão de ir embora parecia ser algo muito mais interno do que uma escolha definitiva. Ele não tinha me abandonado por não me amar. Havia algo mais, algo que ele não queria enfrentar.
De repente, uma história triste começou a se formar na minha mente: meu pai não fugiu de nós, ele fugiu dele mesmo. Estava lutando contra algo que nem ele conseguia controlar. Isso não me deu as respostas completas, mas a sensação de que eu finalmente estava tocando a verdade me deu um alívio estranho.
Foi quando o senhor me deu um endereço. Um endereço antigo, de uma casa no campo, longe de tudo. Ele me disse que meu pai havia se escondido lá, anos antes. E que se eu realmente quisesse respostas, deveria ir até lá.
Eu estava assustado, mas ao mesmo tempo, algo me impulsionava. Era como se fosse o último passo de uma jornada. Eu sabia que precisava enfrentar tudo o que estava pela frente.
Eu não sabia o que esperar da viagem até o campo. Eu só sabia que estava indo atrás da verdade, em busca de um homem que, por tantos anos, desapareceu de minha vida.
O caminho até a casa era tortuoso, cheio de curvas e ladeiras. Eu estava nervoso, com medo de encontrar algo que não fosse bom. Mas a sensação de que eu finalmente estava perto de entender tudo o que aconteceu me manteve em movimento.
Quando cheguei à casa, tudo parecia muito calmo e desolado. O que era uma grande casa no passado, agora parecia um local abandonado. A porta estava entreaberta, e o vento fazia um som suave no meio da vegetação alta.
Bati na porta, sem saber o que iria encontrar do outro lado. Quando ela se abriu, eu vi um homem de aparência cansada, com os olhos vazios. Ele estava em silêncio, como se esperasse que eu falasse primeiro.
“Você é o Lucas?”, ele perguntou com uma voz grave.
Eu assenti, o coração acelerado. O homem me olhou profundamente, como se tentasse ler minha alma, e então disse, com uma tristeza no olhar: “Eu sou seu pai. E sei que você tem muitas perguntas.”